Rosi Morokawa
Trinta anos após Mad Max: Além da Cúpula do Trovão, o diretor George Miller surpreende com Mad Max: Estrada da Fúria. Despertando a ira de alguns fãs da trilogia original, por trazer uma temática feminista, o novo filme da franquia parece desagradar aqueles que pararam no tempo. A história do longa-metragem foi elaborada com o apoio da ativista Eve Ensler, autora da conhecida peça “Monólogos da vagina”, e traz a questão atual da violência contra as mulheres e sua relação com as desigualdades sociais.
No início do filme, Max (Tom Hardy) encontra um grupo de mulheres liderado pela Imperatriz Furiosa (Charlize Theron), que fugiu do autoritário Immortal Joe, do qual ele também era prisioneiro.
A primeira imagem em que o grupo de mulheres aparece, muito delicadas, com poucas roupas e muito belas, sugere ao espectador um olhar que as vê como enfeites. Em seguida, nas primeiras falas, esta imagem se quebra, “Nós não somos objetos” grita uma delas. As mulheres não se mostram como vítimas, são fortes e decididas. Não é por acaso que a protagonista, cujo papel chega a ser mais importante que o de Max na maioria das cenas, se chama “Furiosa”.
Furiosa lidera o quebrar das correntes, literalmente, do grupo de mulheres que viviam no ambiente privado de uma espécie de tribo, onde eram as parideiras dos “warboys”, filhos do líder patriarcal. Para Immortal Joe, elas são consideradas “tesouros”, porque geram o seu exército de guerra, necessário para a sobrevivência daquela sociedade excludente.
No decorrer da história, há um contraste entre a idade das mulheres, que enfatiza a simbologia da fertilidade como o futuro. Uma delas, já muito velha, segura um bolsa de sementes e se espanta ao ver uma das jovens, “de onde você vem? É tão macia!”, diz. Juntas, estas mulheres vão lutar de igual para igual contra o inimigo.
O futuro do futuro
A representação do futuro em Mad Max: Estrada da Fúria é um retorno às tecnologias mecânicas, não deixando nada a desejar quanto à criatividade se comparado aos recentes filmes com um futuro de avançada tecnologia digital.
Há um retorno à tradição oral, em que a cultura é repassada de geração a geração pelo testemunho do fato e memória contada. Os warboys enfatizam “testemunhe!” antes de realizarem o grande feito de suas vidas: o suicídio em prol da batalha.
A estética do filme dá novos ares a elementos tribais, como a pintura nos rostos. Uma guitarra e tambores com músicos performáticos fazem referência aos instrumentos utilizados nos diversos contextos históricos de guerras. Entoam os ânimos da tropa para avançar sobre o inimigo.
Os elementos ancestrais, com a valorização da fertilidade feminina, apontam um caminho muito distinto dos demais filmes da trilogia: a possibilidade de um futuro.
No terceiro filme, de 1985, havia crianças que esperavam por um salvador e o encontram em Max. Mas logo se percebe que estavam enganadas e não haveria futuro para elas. A falta de esperança na sociedade distópica foi a marca dos primeiros filmes do diretor.
No entanto, as mulheres no mais recente Mad Max buscam um lugar idílico chamado Terra Fértil, que representa um ideal em oposição ao real do deserto. Elas preferem o árduo caminho rumo ao incerto à certeza de que são escravas de velhos tiranos. Ao se libertarem e lutarem para encontrar um lugar onde sejam livres e produtoras de seus próprios sustentos, geram esperança a quem as encontra.
O instinto de sobrevivência fez de Max o herói louco e solitário. Será que até isto poderá mudar?
Mad Max: Estrada da Fúria é uma contagiante fúria das mulheres contra o machismo e uma sociedade de injustiças. “Que lindo dia!”
(Originalmente publicado no jornal Paraná-Online.)
Miguel, obrigada por deixar sua opinião. Sobre a radioatividade, não há nenhuma referência direta sobre isto nos diálogos do filme, o que pode ser conferindo pelo script acessível pela internet, como citou o Welyngton. Li muitas críticas sobre o filme e não vi esta interpretação, o que não o impede de fazê-la. Os warboys são mais sadios, na minha opinião, porque no filme há uma divisão social radical, existe uma população miserável e doente, que não tem comida e nem água, e o filhos do Joe se alimentam bem, com leite materno (outra referência à fertilidade), água, e alimentos que eles produzem. Recebem sangue também, dos que são feitos prisioneiros para isto.
O que escrevi é um texto de opinião, uma interpretação baseada nos elementos que apresento e em outros que não escrevi para evitar spoilers. A análise fílmica é passível de muitas interpretações, e que bom não é?! Em meu texto, foco especialmente na temática em que o diretor trabalhou por mais de dez anos, o feminismo. O cinema também trabalha com simbologias e a simbologia da fertilidade como o futuro, ou seja, a fertilidade para a manutenção da espécie é algo presente nos primórdios da humanidade, veja por exemplo a Vênus de Willendorf, do paleolítico.
Por fim, existem interpretações variadas sobre o filme e diferentes gostos. Foi o filme mais visto recentemente, no Brasil e no mundo. Há os que eram fãs da trilogia, e que antes mesmo do filme estrear começaram um movimento pelo seu boicote, o principal argumento era o protagonismo da personagem Furiosa e tudo que deriva das questões feministas. Há aqueles que eram fãs do filme e continuaram sendo, consideram que este último dá continuidade ao estilo do diretor e foi aprimorado. Há um público grande, que não era fã dos antigos filmes, e também não são fãs do gênero de ação, mas que se interessaram pela temática feminista do filme, motivo inicial das polêmicas. Há, enfim os que nunca foram fãs, não gostam do gênero do filme e não se interessam pela temática, e que apresentam opiniões diversas. O filme continua gerando discussões. “Que lindo dia!”
Elas são o tesouro de Joe porque podem gerar filhos sem doenças
Não sei se percebeu, mas todos ali estão contaminados por radiação e vão morrer
Tem futuro algum à frente
Max fala que a esperança é um erro
E naquele mundo é mesmo
Em nenhum momento é citada a palavra radiação neste filme (nem consta no script), nem mencionado que as pessoas estão doentes e vão morrer. Muito pelo contrário estão lutando pela sobrevivência, reorganizando cidades, criando plantas, comércio, a sociedade está ressurgindo.
Max fala que a esperança é um erro porque o mais importante é sobreviver e a esperança pode ser traiçoeira como disse o próprio diretor nessa entrevista:
http://www.comingsoon.net/movies/features/439319-george-miller-interview-hope-and-fear-on-fury-road#/slide/1